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domingo, 30 de janeiro de 2011

Que é emancipação?

Dentro desta sociedade, em que se compra o pensamento, o amor e a consciência, é lá possível falar-se de emancipação humana?
E, ai o homem é escravo do homem, através do salário, e, si a mulher é duplamente escrava, do homem e o salário – como podemos pensar em emancipação feminina dentro do regime legal burguês-capitalista, no qual a função da mulher se limita a maquina de prazer ou de trabalho ou a fabrica a carne para os canhões vorazes?
Mas, a expressão usada na literatura, no jornalismo, na cátedra, no púlpito, para dourar a pílula engolida pela idiota milenar, não será “fabricar as carnes para os canhões”, e sim, falar-se na “maternidade sagrada”, “direitos das mães” (só dentro da lei, já se vê), “deveres para com as mães”, “dias das mães”, “rainha do lar”, “educadoras dos cidadãos de amanhã”, - todas essas chapas convencionais – afim de arrastar a deusa e santa, através dos filhos, para o açougue canibalescos donde os grandes e os poderosos extraem a matéria prima com que encher as suas arcas vorazes e com que comprar certezas carismas e posições espetáculos no cenário social.
Nesta sociedade, a mulher, ou tem de ser a fabricadora de carne para o Melcart da guerra ou das revoluções, de fauces escancaradas e sangrentas em tempos de paz tento em época de luta armada, ou terá de ser a “virtuosíssima cortezã dos salões (casada legalmente, mais, geralmente prostituta alma muito mais do que no corpo) – para o gozo dos elegantes cidadões patriotas e cristões, ou dos sultões do harem da monogamia de comediantes.
Falhando essas duas hipóteses, terá de ser a prostituta fabrica pelo mesmo cínico que a tirou, menina, das camadas populares, que a comprou de qualquer caften e irá aumentar o cortejo das que têem por missões saciar a fome bestial do senhor de escravas brancas, assalariadas para a venda de sua carne.
Si ainda falhar essa hipótese, (e tudo é questão de sorte, acaso, destino), será a desgraçada solteirona histérica, a criar cachorrinhos ou titia de sobrinhos malcriados.
Si falha também essa hipótese, há outra: a de besta de carga, a proletária, explorada no trabalho, noite e dia, pela exigência da família – chefia de necessidades.
E’ inútil pensar em fugir de qualquer das hipóteses.
A mulher tem de cair em uma dessas redes.
A solteirona podia falhar ao seu destino, si se resolvesse a deixar de ser o relicário famoso da honra da família. De todas as hipóteses, é a mais deprimente e a mais tola – pela ingenuidade, pela ignorância, pela idiotice com que se sacrifica inutilmente, passando a ser motivo de ridículo e zombaria de toda a família, por quem se sacrificou, e de toda a sociedade, que impõem o sacrifício a quem não tem coragem para se tornar livre, conseqüentemente: anti-social.
A mulher não passa de coisa, “bibelot”, lulu da Pomerania, animal de tiro, maquina de prazer, procriadora na maternidade imposta, inconsciente, de cidadãos para a defesa sagrada da pátria dos histriões políticos – também presos aos cofres dos altos industriais, reis do aço, do petróleo, do carvão, da borracha ou do café.
E’ sempre a explorada pelo homem, como, ambos são explorados pela organização social de privilégios e convenções.
Dentro de tal regime, quem quiser emancipar-se, ou melhor: quem quiser caminhar para a sua realização, tem de desertar da sociedade, ser individuo anti-social, colocar-se fora da lei e dos preconceitos de uma civilização envilecida de crimes e de baixezas.
A organização social baseada no capital e no salário, na exploração do homem pelo homem, civilização de indústria, nunca emancipará nem ao homem, quanto mais à mulher.
Não há absolutamente ilusão alguma para os que vêem menos superficialmente o caminho errado seguido pelos homens arrastando as mulheres em direção á loucura da voragem de todas as degenerescências – para o suicídio coletivo da humanidade, cada vez mais correntada á geena de necessidade perfeitamente dispensáveis, inventadas pelo industriais, os mercadores do fantástico mercado do gênero humano.
A concorrência comercial, a ambição incomensurável dos que buscam acumular sempre, mais e mais, em detrimentos de todos, a megalomania do poder e da autoridade, a correria louca de toda gente em busca dos prazeres e excessos sensuais – tudo é um passo para as guerras, para as revoluções, para o descontentamento geral, para o assalto ás posições já ocupadas – a busca do gozo material num delírio de baixo sensualismo – que é bem a amostra do degenerar de todas as fibras mais sensíveis e mais admiráveis das energias interiores, dos seres humanos.
O homem deixou de ser homem para ser maquina dispersadora de forças fantásticas, inutilmente, cujo objetivo, cuja finalidade se resume em inventar necessidades ilusórias, complicando cada vez mais a vida, em um esbanjar de energias que assombra exclusivamente voltado para o progresso material.
E esse processo é a morte, a escravidão de uns, a ociosidade de outros, a degenerescência de todos.
Do progresso material resultam as guerras, cujo pretexto é o ídolo da Pátria (ídolos exigente, Moloc insaciável como todos os ídolos) e cuja razão de ser vamos buscar na concorrência comercial, nas Bolsas e nas grandes usinas de armas, nos cofres fortes dos donos da humanidade escravizados ao bezerro de ouro.
Dentro da sociedade capitalista a mulher é duas vezes escrava: é a protegida, a tutelada, a “pupila” do homem, criatura domesticada por um senhor cioso e, ao mesmo tempo, é a escrava social de uma sociedade baseada no dinheiro e nos privilégios mantidos pela autoridade do Estado e pela força armada para defender o poder, o dominismo, o industrialismo monetário.
Assim pois, socialmente falando, dentro do regime do Estado burguês-capitalista, todos são escravos, todos exploradores e explorados, ninguém pode conhecer o que seja emancipação.
E’ uma civilização de escravos a sociedade que decreta


Maria Lacerda de Moura
Amai e... não vos multipliqueis
Paginas 141 á 147
Editora: Civilização Brasileira
Ano: 1932

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