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sábado, 29 de junho de 2013

SEDUZIDAS E DESONRADAS

     Multiplicam-se, assombrosamente, as noticias de suicídios diários: moças seduzidas pelos namorados, com promessas de casamento.
     Os jornais procuram fugir à responsabilidade, apontada no ruído com que tratam todos os pormenores, publicando cartas e noticiando os incidentes e particularidades das tragédias amorosas.
     Mas, a imprensa á, realmente, a que cultiva e incita, a que maior culpa tem no crescendo desses atentados á própria vida.
     Os jornais são feitos sob a rigidez perversa da moral burguesa-capitalista e feitos, na sua maioria, pelos homens – bem instalados na vida sob o ponto de vista sexual – e, si há mulheres na redação, no jornalismo, pensam e agem também dentro da hipocrisia farisaica dessa moral fossilizada e pesada de crimes.
     Pelo código desse moraliteísmo, a mulher virgem que se entrega a um homem, nada mais tem que fazer senão o suicídio, si é abandonada.
      Dentro desta moral, a jovem está desonrada, perdida, desgraçada e tem de carregar o peso de todos os atributos que procuram inutilizar para a vida uma criatura humana.
     Nunca a perversidade dos seres ditos racionais foi mais longe do que a concepção estreita na qual a mulher (animal seguindo a mesma escala zoológica de todos os animais, com as mesmas necessidades fisiológicas e os mesmos direitos de indivíduos na multiplicação da espécie e na liberdade sexual), nunca a maldade humana desceu tanto quando decretou que a mulher deve guardar a virgindade para entrega-la ao “esposo”, em dia determinado previamente. Os pais, o escrivão de paz e o padre anunciam aos convidados que naquela noite o novo vai romper uma película de carne do corpo de sua amada. É o culto ao hímen. A himenolatria dos cristãos civilizados.
     Profundamente ridículo.
     E que de humilhações tem sofrido a mulher através desses costumes canibais.
     E ai daquela que se descuida do protocolo.
     Si hoje não é lapidada, si não é enterrada viva como as vestais, si não é apedrejada até a morte, si não sofre os suplícios do poviléo fanático de outros tempos, inventou-se o suicídio: é obrigada a desertar da vida por si mesma, porque a literatura, a imprensa, toda gente aponta-a com o dedo, vociferando o desgraçada, perdida, desonrada, desonesta, abrindo-lhe as portas da prostituição barata das calçadas. E a vitima é cercada pelo cortejo da miséria, da sífilis, dos bordéis, das humilhações, do hospital e da vala comum.
     Miserável moral de coronéis, de covardes, de cretinos.
     E o homem cresce com as suas aventuras, adquire prestigio, fama, glorias até mesmo e principalmente entre o elemento feminino.
     Dentro da concepção estreita e má dessa moral de tartufos o proxenetas, moral de senhores e escravos, o mesmo ato praticado por dois indivíduos de sexo diferente tem significação oposta: a mulher se degrada, torna-se imortal, está irremediavelmente perdida, si não encontra um homem para lhe dar o titulo de esposa perante a lei e as convenções sociais. E o homem é o mesmo, talvez tendo adquirido mais prestigio, valor de estimação perante as próprias mulheres e será invejado pelos homens.
     Essa moral nada difere de algumas tribos primitivas que os etnógrafos de gabinete estudam curiosidades e admiração, esquecendo-se de que nós, os civilizados, somos mais selvagens e tão primitivos quanto os mais primitivos dentre os selvagens
     O que espanta é a atitude servil da mulher – a imbecilizada secular – a santa mente fechada para perceber a idiotice da moral cristã (em nome de Cristo quantas barbaridades se cometem!) a sua perversidade sempre que julga e condena outra mulher.
      Não quer ver o seu direito de animal na escala zoológica, o dever de ser dona do seu próprio corpo e senhora da razão, da liberdade de dirigir e governar os seus impulsos, como lhe aprouver.
     A educação, a rotina, a tradição, o confessionário se encarregam do que falta para fechar, num circulo de ferro, o cérebro da mulher, não deixa-lo raciocinar e perceber a tutela milenar que a tem submetida pelos preconceitos e dogmas religiosos – exclusivamente para o prazer bestial do sexo forte, que, por ser forte, é o mais bem aquinhoado na partilha do leão.
     Mas, a mulher não se deixa lesar... O casamento é porta aberta para o adultério. E ela mente, engana, atraiçoa. Serve-se da astucia e da Hipocrisia – as únicas armas de que pode dispor.
     Porque, os homens vulgares, e são quase todos, preferem ser enganados...
     Uma grande parte, porem, inexperiente, as mulheres moças, apaixonadas, emotivas, desiludidas recorrem ao suicídio como porta de salvação para a sua angustia. Esse crime arrebata á vida tantas energias moças. É o resultado da moral farisaica dos cristões piedosos e caridosos – cujo porta-voz é a imprensa, quer seja governista ou oposicionista, religiosa ou laica.
     As pobres mulheres apaixonadas não chegam a raciocinar um instante sequer para compreender, para sentir que o nosso coração tem mais uma primavera, que isso a que chamam de amor pode ser renovado, que amamos mais uma vez na vida, de acordo com o temperamento ou as etapas de evolução, porque, nem todos são eleitos para chegar a realizar o grande amor...
     Não perceberam que a nossas idades de ouro, aos 15 anos, os 25, os 30 e os 40 nos ensinam experiências sempre mais belas progressivamente e nos dizem coisas lindas através de ilusões do amor que, em todas as idades tem a sua perfumada estações de sonhos e de esperanças novas. E é belo e profundo saber amortalhar as ilusões...
     Desfeita uma visão, outra virá, talvez, mais bela, povoar de imagens a nossa imaginação irrequieta, na escalada de uma evolução mais alta.
     E, si uma experiência amorosa nos deixa o travo de amargura, é, por sua vez, degrau para subir os visos de uma ilusão maior.
     Não viram que a liberdade sexual do homem é ilimitada, que ele não é considerado perdido, que se não desgraça porque usa e abusa dessa liberdade e que não é natural nem justo uma moral para cada sexo.
     E a eterna tutela, o idiota milenar ainda hoje, em pleno século de tanta reivindicações femininas, se esquece da mais importante das suas reivindicações – a de ser dona do seu próprio corpo, a da sua liberdade sexual, a do ser humano com o direito á alegria de viver a vida integralmente, em toda a sua plenitude.
     E suicida-se porque foi seduzida, porque a desgraçaram, porque esta perdida.
     Santa ingenuidade.
     Por que razão por fim á sua vergonha, si isso a que os jornalistas chamam de vergonha é a iniciação em a mais bela das Leis Naturais, o abc da Lei Maxima, a Lei  do Amor, a Lei da integração de dois seres no espasmo da Harmonia Universal?
     E é desprezando as Leis Naturais, as Leis não escritas – que os homens, servindo a interesses egoístas, tão pequeninos, escrevem e legislam as suas leis de lamentável perversidade, encurralando o coração humano na jaula de ferro de uma justiça de fogo, matando e sensibilidade das criaturas na aridez de uma moral fria, sem alma, torpe, assassina de milhões de vitimas, sacrificadas no templo de Molóc dos preconceitos sociais.

Extraído:
Livro: Amai e... não vos multipliqueis
Autor: Maria Lacerda de Moura
Editora: Civilização Brasileira
Pagina: 85 á 90
Ano: 1932

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