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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Contribuições do anarquismo para o indivíduo

     O anarquismo é uma filosofia viva.
     Apesar do  dinamismo da sociedade, algo líquido como diz "Bauman", o anarquismo se molda à atualidade.
Mas tem um aspecto humano que, pra mim foi fundamental, o fato de nos tornarmos únicos e líderes do nosso destino. 
     Resumidamente: nos abre os olhos para o lado humano, tanto positivo quanto negativo. 
     Uma observação importante: se somos líderes de nós mesmos, temos o poder de nos mantermos íntegros, felizes, solidários, honestos, enfim, somos o que fazemos de nós, independente das situações externas!
     Saúde e liberdade a todos!

Frelsi

São Paulo Capital 23, Agosto de 2016

Danças das Idéias, Agradece pela contribuição ao desenvolvimento e preservação das Idéias libertárias!

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A inteligência tem sexo?

     A civilização fez do homem e da mulher duas raças sociais que se degladiam amorosa e ferozmente.
     A natureza ordena que busquem para uma harmonia maior, para harmonia a dois.
     A sociedade investe contra o instinto, legalizando para os rebanhos humanos, moralizando as leis naturais...
     A razão da mulher foi condenada á prisão perpétua, sob o pretexto de que a emancipação feminina é a causa da destruição do "lar sagrado".
     A instituição da família é baseada na ignorância calculada da mulher, no servilismo, na escravidão feminina.
     Os corolários são imorais para o farisaismo dos moraliteistas de beca, sotaina ou espada.
     O casamento é a armadilha feroz contra o homem e a mulher, e fraude de parte á parte.
     E' a eternidade do indissolúvel, defendida pelos Pe. Coulet, que reservam o direito de ficar solteiros para mais facilmente escalar o cercado alheio, sem assumir compromissos ou responsabilidades.
     Quando ao homem, concluiu: para ter educação completa precisa conhecer todos os vícios, e não ser piegas...
     A morte da razão no cérebro feminino.
     A morte do sentimento no cérebro do homem.
     O resultado, todos nós conhecemos desgraçadamente.
     Falso sentimentalismo de gramofone na cabeça feminina. Nada de razão:  seculares, á rotina, voltada para o passado.
     O perfil divino de uma Isadora Duncan, maravilha pelo imprevisto, pela originalidade superior, pela espontaneidade pela grandeza de uma evolução isolada, única, auto-didata, e de sonhos para a felicidade integrada na liberdade agri-doce de viver intensamente a harmonia interior.
     Um ser excepcional.
     Mas, condenado á inação sob o ponto de vista do raciocínio puro, o cérebro feminino é o reflexo da inteligência do homem.
     Pode ser cultíssima a mulher da "alta" ou da "boa" sociedade, pode falar de Ibsen, de Gorki ou de Maupassant, de Anatole, de Voltaire, de Zola ou de Mirbeau, de Sinclair, de Barbusse ou de Romain Rolland, pode discorrer em torno do teatro de Bataille ou de Moliêre, mas, paira á superfície... é católica apostólica romana, não viu a critica de Volteire ou de Moliêre, não sentiu a ironia de autor inimitavel de "Thais" ou de L'ile de pingouins". E' caridosa, piedosa, crente, não sentiu o sorriso de amagura  que paira em todas essas obras na analise dolorosa do problema humano ou da questão social.
     E nisso mesmo, ainda imita o homem...
     Também o homem "culto", mesmo trazendo peso do canudo de diplomado, com a biblioteca forrada de livros dos melhores autores, continua impermeável dentro da rotina, da tradição, do comodismo.
     E' o caso dos delegados, magistrados, juízes, promotores, bacharéis em suma, nos interrogatórios imbecis, a julgar ou interrogar a presos políticos de Marx com as Bakounine, perguntando a anarquistas qual especie de governo que desejam, após da revolução...(verídico, em São paulo), e, finalmente, declarando que também ele, delegado de segurança publica, pensa assim, também sonha tão altas ideais de uma sociedade anarco-comunista, apenas fala... somente não diz em publico as suas ideias. E o "camarada", daí em diante, era livre de pensar tudo, porem, não poderia escrever nem falar...
     São literatos, "cultos", viajados, lidos, pensadores de rebanho, vão a igreja, beijam as mãos dos bispos, fraquentam as Lojas Maçônicas e defendem a ordem social constituída.
     Não é, pois de admirar que a mulher esteja nas mesmas condições, que repita e obedeça mentalmente. E a mulher ainda tem o que os homens apregoam de necessário para conte-la de moral social: o "freio" da religião.
     A civilização desdobra-se em mutiplas necessidades perfeitamente desnecessárias ao bem das criaturas humanas.
     Mas, o homem é obrigado a mil movimentos diários e sucessivos para obter o pão e o supérfluo.
     Daí, a inteligência a serviço da industrialização de tudo, inclusive do amor e das consciências.
     Daí, a imbecilidade, daí a vulgaridade, o reinado perververso das democracias, mediocridade.
     É o homem não tem tempo de pensar: repete. Si repete, acovarda-se. Aceita qualquer alimento espiritual proporcionado ao redíl humano.
     Não discute para aprender. Grita para impor. Não analisa. Incapaz de criar, incapaz de viver subjectivamente, incapaz de conhecer-se, incapaz de realizar-se.
     Quer "viver na vida". É salta por sobre o próximo, na velocidade da civilização.
     Matou o sentimento.
     É a razão? Matou também a razão. O homem é a máquina. Dentro dessa organização social de vampiros e truões, de caftens e João Minhoca acionados todos através dos cordéis, ser "indivíduo" – Homem ou Mulher – é bem difícil.
     Diógenes apagaria de vez a lanterna e se refugiaria para sempre, no fundo do tonél, mais céptico que nunca.
     As sociedades, as seduções do gozo material, a ambição, os dogmas da família, da religião, da pátria, da civilização, da rotina, dos prejuízos, sociais procuram impedir a realização interior.
     E é preciso desertar da sociedade — para chegar a tal resultado.
     E não é fácil ser anti-social.
     E não é heroísmo de fachada o heroísmo do desertor.
     Para reivindicar o direito de pensar, o homem ou a mulher tem de saltar por sobre milhares de símbolos, de prejuízos, de tradições, por sobre as "mentiras vitais" da civilização, por cima de todas as fraudes sociais.
     E tudo se resume no gesto de arrancar do pescoço o disco de gramofone da marcha de Rakoczy e reivindicar o direito de ter cabeça.
     Impossível essa atitude nobre e altiva, queremos se "damas" da sociedade, políticos ou acadêmicos, profetas, mestres ou sacerdotes...
     Homens e mulheres — discos de gramofone da moral e da ortopneia social.
     Equilibrado e harmonioso — o valor do rebanho humano!
     Anomalia! Loucura! Loucos os que denunciam os crimes de lesa-felicidade individual, os crimes de lesa-humanidade.
     Como é difícil no meu cérebro o conceito da dignidade humana!
     Aliás, é uma honra ser classificada por "anomalia" — quando não quer pisar o semelhante para vencer no "guignol" do trampolim social.
     E' uma honra essa loucura que não quer pactuar, que não quer ser cúmplice do vampirismo ou do caftismo social.
     A realização interior não é apenas questão de inteligência, não é problema de malabarismo de palavras.
     A inteligência não depende de cada um de nós: não há mérito na inteligência. O mérito, si pode ser controlado pelos outros, está na coragem heróica do desprezo aos bens materiais, à glória das arquibancadas sociais e ao "que poderão dizer?"
     O mérito, si existe, está em não balar junto ao rebanho humano, a voz da rotina e dos prejuízos servís dos domesticados.
     O mérito está na deserção.
     Consiste em ser anti-social.
     E' o heroísmo delicioso de ir contra a corrente.
     E' a coragem de ser "indivíduo" e conservar a dignidade humana em meio da ferocidade coletiva.
     É, si a inteligência não tem sexo, muitos menos sexo a coragem para enfrentar os capazes do rebanho social e negar-se a pactuar com a brutalidade da civilização das máquinas humanas e dos dólares desumanos.
     Quando o homem alía á mentalidade do pensador o sentimento do artista, Tagore, por exemplo — sensibilidade por assim dizer feminina, delicada na sua grandeza espiritual de maternidade ou de piedade humana, ninguém sente a anomalia.
     E, de fato, a evolução tem de levar a razão e o sentimento até a harmonia entre a mente e a sensibilidade interior — cérebro e coração — para um sonho mais alto, para uma concepção mais é levantada do problema da Vida.
     E quando uma mulher alía á sensibilidade feminina em sentido mais profundo da questão humana e eléva a sua razão a altura pouco acessíveis ao "boudoir" das preocupações vasías dos ócios masculinos e femininos; quan alça nas mãos o sentimento para faze-lo pairar á altura da razão, num esforço fantástico, num salto milenar, desde as éras medievais até o século da relatividade e do individualismo ryneriano da "vontade de harmonia", essa mulher faz mais do que esboçar o tipo de futuro no qual cantará o equilíbrio harmonioso entre o sentimento e a razão, entre o pensamento e a vida, — para mais profunda intuição, na escalada de um envolver mais amplo, para uma visão mais pura na fantasmagórica dos sonhos que sobem para as alturas.
     Nem a inteligência e privilégio do homem, nem o sentimento é apanágio exclusivo da mulher.
     Condenado á inação sob o ponto de vista intelectual o cérebro feminino é o reflexo da inteligência do homem.
     A mulher repete, obedece mentalmente. As suas idéias são convicções do coração... Ela pensa através do sentimento de simpatia ou amor dos que vivem ao lado da sua vida de odalisca ou de besta de carga, animal de tiro ou criadeira inconsciente como a encubadora que recebe os ovos por imposição.
     Uma grande  amiga costuma dizer-me: sempre estive a serviço...
     Sob todos os aspectos da vida, a mulher está a serviço.
     Não escapa a essa domesticidade, a essa fidelidade, a inteligência feminina, a serviço da mentalidade masculina.
     Na literatura, na poesia, pensadora ou artista, não tem fisionomia própria: está a serviço do passado, da rotina, dos preconceitos religiosos, políticos ou sociais, do modernismo, em arte ou dos revolucionários.
     Vivemos a civilização unisexual.
     Reivindicando os seus chamados direitos, dentro dos partidos, da lutas de classes, dos metodos de ação da política reacionária ou revolucionária, é impelida pelo homem, estimulada pelos chefes, — está sempre a serviço.
     Pouquíssimas no mundo inteiro, raríssimas as que põem a inteligência a serviço da sua própria consciência.
     Mas, não acontecerá o mesmo com os homens? São em número elevado os loucos anormais, as "anomalias" que saltam os tapumes do redíl social, arrancando da cabeça o disco de gramofone do simbolismo admirável de Andréas Latzko?
     São muitos os que souberam positivamente reivindicar o direito de ter cabeça?
     São em número considerável os que despresam o balar harmonioso dos rebanhos da parabola, a louvar os magarefes e os afiadores de facas?
     A grande maioria dos pensadores de rebanho, impermeável às verdades subjetivas emparedada dentro do ídolo majestoso da Rotina.
     Cultura de rebanho, os diplomas e as glórias das letras, das artes, das ciências, pensadores e filósofos, acadêmicos e doutores — a serviço da ordem social, do massacre humano, da civilização industrial, da concorrência, do canibalismo, do progresso material — todos tocam o disco da marcha vitoriosa da "mentiras vitais", dos ídolos, da tradição, dos dogmas e do "que poderão dizer?"
     A covardia mental é a mais poderosa das forças reacionárias.
     Respeitar, repetir, louvar — é a palavra de ordem social.
     E a mulher é a educadora da infância!
     Nas suas mãos está a escola.
     E quanto absurdo, quanto cretinice, quanta barbaridade patrioteira, quanta estupidez honrada e virtuosa eu ensinei na escola, á criança e á juventude!
     E' o que repetem os milhões de professoras pelo mundo inteiro — para a conservação do fóssil do passado reacionário do dominismo dos padres, dos reis, dos democratas demagogos, dos militares e do bezerro de ouro.
     Essa é a ordem social e nenhum instrumento mais apto á sua conservação embalsamada do que a mulher.
     Chegaremos a tempo de acordar os mortos?...
     Aprender a pensar e ter o heroísmo de pensar em voz alta não é privilégio do homem.
     E' certo: é mais fácil e mais cômodo vender-se á glória de picadeiro e arquibancadas patrióticas e religiosas, á sedução dos aplausos inconscientes das multidões, aos uniformes das academias, ás condecorações e títulos honoríficos, ao prestígio social.
     Não invejemos os mais belos talentos de subterfúgios, masculinos ou femininos, a serviço das leis, da ordem, da polícia, da sociedade dos crimes contra o gênero humano.
     Pertencer a uma grei, a um partido político, religioso ou social, ser o porta-voz de um dominismo contra outro dominismo — dá prestígio a nimba celebridades os nomes de advogados e políticos, de acadêmicos e militares, de sacerdotes e profetas.
     Nada de muletas.
     Nem uma muleta é capaz de nos trazer a felicidade interior.
     A humanidade não soube encontrar ainda a solução para as duas necessidade principais, os instintos predominantes do reino animal e seguiu rumo oposto á sabedoria dos chamados irracionais.
     Comer é Amar.
     E o gênero humano enlouquece, degenera-se, suicida-se, esmigalha as suas energias latentes mais admiráveis, cria a prostituição, as leis e o vampirismo social e tripudia por sobre os mais belos sentimentos e por sobre a pureza delicada de tudo que é puro e nobre e Santo — para satisfazer aos dois instintos predominantes.
     Só consegue desviar-se cada vez mais do objetivo.
     Todos insatisfeitos! Doloridos de fome ou indigestão. E famintos de amor.
     E seria tão simples. . .
     E é tal a complicação industrial e econômica, e é tal o gráo de civilização, que são consideradas "anomalias", as inteligências a serviço da volta á natureza, da vida simples, da realização interior — para a interpretação e solução do problema humano dentro da lei do Amor, solução que resumiria nos imortais postulados de ética:
     Sê tu mesmo.
     Conhece-te.
     Realiza-te.
     Faz o que quiseres.
     Não matarás.
     Ama ao teu próximo como a ti mesmo.
     Porque — Só para amar foi feita a vida.

Livro: Amai e... não vos multipliqueis 
Autor: Maria Lacerda de Moura 
Editora: Civilização Brasileira
Páginas: 27 á 37
Ano: 1932