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terça-feira, 6 de julho de 2010

Zumbi derrotou o exercito 17 vezes, sem leis, sem Estado e sem religião (Edgar Rodrigues)





"Não concebo que o trabalhador negro, que foi para o Brasil como escravo, não fosse considerado trabalhador." Edgar Rodrigues.



"Os padres ameaçavam os negros: não adianta fugir que Deus vai te encontrar. Os negros respondiam escapando... a Floresta é maior!"



" no primeiro livro que dediquei a questão (social e das comunidades libertarias), e que se chama "Socialismo e Sindicalismo no Brasil", eu o iniciei pelas lutas dos escravos. Porque não concebo que o trabalhador negro, que foi para o Brasil como escravo, não fosse considerado trabalhador. Todos os livros escritos no Brasil até aquela época não incluíam as lutas dos escravos entre as dos trabalhadores, apesar de, desde o meu livro, se terem feito já muitas abordagens nesse sentido. Eu achava que o escravo foi para o Brasil para trabalhar, não foi especificamente para ser escravo, foi uma forma que encontraram para o obrigar a trabalhar, pela comida e pela roupa. Foi então por aí que eu comecei, pelos chamados quilombos. E dei grande destaque ao quilombo de Palmares, por muitas razões: porque foi uma comunidade que conseguiu reunir 20 mil pessoas, que durou quase um século, derrotou o exército brasileiro 17 vezes, e sobreviveu sozinho sem leis, sem Estado e sem religião. Eles tinham lá as místicas deles, é verdade, mas conseguiram viver sem dinheiro, fabricavam a sua própria roupa, plantavam, colhiam e fiavam algodão, e conseguiram criar uma verdadeira comunidade socialista libertária.
Eu, naturalmente, abordei profundamente esses aspectos, e então, foi por aí que comecei, em 1673. A partir dessa altura, fui acompanhando todas as comunidades de trabalhadores negros e de toda a gente que tinha ideias [de emancipação social] e que veio depois, como a comunidade do Said, de Santa Catarina, que foi antes da colónia Cecília, e depois a própria colónia Cecília e os primórdios da propaganda num sentido político-social. Os imigrantes que vieram de Itália, uns poucos de Portugal, outros de Espanha, começaram a publicar pequenos jornais também falando dessas ideias. Quer dizer, eu percorri esse trajecto até chegar, naturalmente, ao sindicalismo, tal como ele se veio a apresentar já na última década do século XIX.
A colónia Cecília foi uma experiência anarquista, especificamente, ao contrário do quilombo de Palmares, que era anarquista, mas onde não havia uma consciência disso. À parte desse aspecto cooperativo, houve um facto curioso e importante, é que o Zumbi, talvez o homem que mais se evidenciou no quilombo de Palmares, foi o primeiro sujeito que tentou criar um país, atingir uma comunidade independente, antecipando-se assim a Tiradentes, a figura central da luta pela independência do Brasil, em mais de dois séculos. Ora, isso, para mim, é uma coisa muito importante. Os ex-escravos formaram uma comunidade muito grande em território, que seria, geograficamente, quase do tamanho de Portugal. Essa experiência socialista libertária, mesmo na ausência duma consciência assumida dessa ideia, realizou coisas interessantíssimas. Eles travaram, continuamente, uma luta contra a escravatura. Através duma produção maciça de alimentos, que conseguiam escoar e vender nos mercados no sul do Brasil, no Paraná, no norte, em Pernambuco, e noutras regiões a que chegavam, financiavam as fugas do campo. Estabeleceram uma luta contra os fazendeiros, quer económica, porque faziam concorrência com os seus produtos nos mercados, quer social, porque organizavam a fuga dos escravos. No começo, os fugitivos eram quase só homens e não havia portanto mulheres no quilombo, por isso nem procriação, nem prática sexual. Eles tiveram, então, de patrocinar as fugas, e fizeram-no até ao ponto de terem atingido uma família de 20 mil pessoas."

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