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domingo, 30 de janeiro de 2011

A INTELIGENCIA TEM SEXO?

A civilização fez do homem e da mulher duas raças sociais que se digladiam amorosa e ferozmente.
A natureza ordena que se busquem para uma harmonia maior, para uma harmonia a dois.
A sociedade investe contra o instinto, legalizando para os rebanhos humanos, moralizando as leis naturais...
A razão da mulher foi condenada á prisão perpetua, sob o pretexto de que a emancipação feminina é a causa da destruição do “lar sagrado”.
A instituição da família é baseada na ignorância calculada da mulher, no servilismo, na escravidão feminina.
Os corolários são imorais para o farisaísmo dos moraliteistas de béca, sotaina ou espada.
E’ a eternidade do indissolúvel, defendida pelos Pe. Coulet, que se reservam o direito de ficar solteiros para mais facilmente escalar o cercado alheio, sem assumir compromissos ou responsabilidades.
Quanto ao homem, concluiu: para a educação completa, precisa conhecer todos os vícios, e não ser piegas...
A morte da razão no celebro feminino.
A morte do sentimento no celebro do homem.
O resultado, todos nós o conhecemos, desgraçadamente.
Falso sentimentalismo de gramofone na cabeça feminina. Nada de razão: inteligência acorrentada aos prejuízos seculares, á rotina, voltada para o passado.
O perfil divino de uma Isadora Duncan, maravilha pelo imprevisto, pela originalidade superior, pela espontaneidade de uma organização individual tão alta que assombra pela grandeza de uma evolução isolada, única, autodidata, e de uma ética mais alta na beleza de se dar incondicionalmente, numa generosidade criadora de ritmos de sonhos para a felicidade integrada na liberdade agri-doce de viver intensamente a harmonia interior.
Um ser excepcional.
Mas, condenado á inação sob o ponto de vista do raciocínio puro, o cérebro feminino é a reflexo da inteligência do homem.
Pode ser cultíssima a mulher da “alta” ou da “boa” sociedade, pode falar de Ibsen, de Gorki ou de Maupassant, de Anatole, de Voltaire, de Zola ou de Mirbeau, de Sinclair, de Barbusse ou de Romain Rolland, pode discorrer em torno do teatro de Bataille ou de Moliêre, mas paira á superfície... é católica apostólica romana, não viu a critica de Voltaire ou de Moliêre, não sentiu a ironia do autor inimitável de “Thaís” ou de “L’ile de pingouins”. E’ caridosa, piedosa, crente, não sentiu o sorriso de amargura que paira em todas essas obras na analise dolorosa do problema humano ou da questão social.
E nisso mesmo, ainda imita o homem...
Também o homem “culto”, mesmo trazendo o peso do canudo de diplomado, com a biblioteca forrada de livros dos melhores autores, continua impermeável dentro da rotina, da tradição, do comodismo.
E’ o caso dos delegados, magistrados, juízes, promotores, bacharéis em suma, nos interrogatórios imbecís, a julgar ou a interrogar a presos políticos por questões sociais, confundindo as idéias de Marx com as de Bakounine, perguntando a anarquistas qual a espécie de governo que desejam, após da revolução... (verídico, em São Paulo), e, finalmente, declarando que também ele, delegado de segurança publica, pensa assim, também ele sonha tão altos ideais de uma sociedade anarco-comunista, apenas, apenas fala... somente diz em publico as suas idéias. E o “camarada”, daí em diante, era livre de pensar tudo aquilo, porem, não poderia escrever nem falar...
São literatos, “cultos”, viajados, lidos, pensadores de rebanho, vão á igreja, beijam a mãos dos bispos, freqüentam as Lojas Maçônicas e defendem a ordem social constituída.
Não é, pois de admirar que a mulher esteja nas mesmas condições, que repita e obedeça mentalmente. E a mulher ainda tem o que os homens apregoam de necessário para conte-la dentro da moral social: o “freio” da religião.
A civilização desdobra-se em múltiplas necessidades perfeitamente desnecessárias ao bem estar das criaturas humanas.
Mas, o homem é obrigado a mil movimentos diários e sucessivos para obter o pão e o supérfluo.
Daí, a inteligência a serviço da industrialização de tudo, inclusive do amor e das consciências.
Dai, a imbecibilidade, daí a vulgaridade, o reinado perverso das democracias, da mediocridade.
E o homem não tem tempo de pensar: repete. Si repete, acorvarda-se. Aceita qualquer alimento espiritual proporcionado ao redil humano.
Não discute para aprender. Grita para impor. Não analisa. Incapaz de conhecer-se, incapaz de realizar-se.
Quer “vencer na vida”. E salta por sobre o próximo, na voracidade da civilização.
Matou o sentimento.
E a razão? – Matou também a razão. O homem é maquina. Dentro desta organização social de vampiros e truões, de caftens e João Minhoca acionados todos através dos cordéis do “guignol” dos Casares do poder, da religião e do capital, ser “individuo” – Homem ou Mulher – é bem difícil.
Diógenes apagaria de vez a lanterna e se refugiaria para sempre, no fundo do túnel, mais céptico que nunca.
As sociedades, as seduções do gozo material, a ambição, os dogmas da família, da religião, da pátria, da civilização, da rotina, dos prejuízos sociais procuram impedir a realização interior.
E é preciso desertar da sociedade – para chegar a tal resultado.
E não é fácil ser anti-social.
Não é heroísmo de fachada o heroísmo do deserto.
Para reivindicar o direito de pensar, o homem ou a mulher tem um saltar por sobre miríades de dogmas, por sobre centenas de ídolos, por sobre milhares de símbolos, de prejuízos, de traições, por sobre convenções e “verdades mortas,” por sobre as “mentiras vitais” da civilização, por cima de todas as fraudes sociais.
E tudo se resume no gesto de arrancar o pescoço o disco de gramofone da marcha de Rakoczy e reivindicar o direito de ter cabeça
Impossível essa atitude nobre de altiva, si queremos der “damas” da sociedade, políticos ou acadêmicos, profetas, mestres ou sacerdotes...
Homens e mulheres – disco de gramofone da moral e da ortopneia social.
Equilibrado e harmonioso – o balar do rebanho humano!
Anomalia! Loucura! Loucos os que denunciam os crimes de lesa-felicidade individual os crimes de lesa-humanidade.
Como é diferente honra ser classificada por “anomalia” – quando não se quer pisar o semelhante para vencer no “guignol” do trampolim social.
E’ uma honra essa loucura que não quer pactuar, que não quer ser cúmplice do vampirismo ou do caftismo social.
A realização interior não é apenas questão de inteligência, não é problema de malabarismo de palavras.
A inteligência não depende de cada um de nós: não há mérito na inteligência. O mérito, si pode ser controlado pelos outros, está na coragem heróica do desprezo aos bens materiais, á gloria das arquibancadas sociais e ao “que poderão dizer?”
O mérito, si existe, está em não balar junto ao rebanho humano, a voz da rotina e dos prejuízos servis dos domesticados.
O mérito está na deserção.
Consiste em ser anti-social.
E’ o heroísmo delicioso de ir contra a corrente.
E’ a coragem de ser “individuo” e conservar a dignidade humana em meio da ferocidade coletiva.
E, si a inteligência não tem sexo, muito menos tem sexo a coragem para enfrentar os capatazes do rebanho social e negar-se pactuar com brutalidade de civilização das maquinas humanas e dos dólares desumanos.
Quando o homem alía á mentalidade do pensador o sentimento do artista, Tagore, por exemplo – sensibilidade por assim dizer feminina, delicada na sua grandeza espiritual de maternidade ou de piedade humana, ninguém sente a anomalia.
E, de fato, a evolução tem de levar a razão e o sentimento até a harmonia entre a mente e a sensibilidade interior – cérebro e coração – para um sonho mais alto, para uma concepção mais elevada do problema de Vida.
E quando uma mulher alía á sensibilidade feminina um sentido mais profundo da questão humana e eleva a sua razão a alturas pouco acessíveis ao “boudoir” das preocupações vazias dos ácios masculinos e femininos; quando alça nas mãos o sentimento para fazê-lo pairar á altura da razão, num esforço fantástico, num salto milenar, desde as eras medievais até o século da relatividade e do individualismo ryneriano da “vontade de harmonia”, essa mulher não faz mais do que esboçar o tipo de futuro no qual cantará o equilíbrio harmonioso entre o sentimento e a razão, entre o pensamento e a vida, - para mais profunda intuição, na escalada de um evolver mais amplo, para uma visão mais pura na fantasmagoria dos sonhos que sobem para as alturas.
Nem a inteligência é privilegio do homem, nem o sentimento é apanágio exclusivo da mulher.
Condenado á inação sob o ponto de vista intelectual, o cérebro feminino é o reflexo da inteligência do homem.
A mulher repete, obedece mentalmente. As suas idéias são convicções do coração... Ela pensa através do sentimento de simpatia ou amor dos que vivem ao lado da sua vida de odalisca ou de besta de carga, animal de tiro ou criadeira inconsciente como a incubadora que recebe os ovos por imposição.
Uma grande amiga costuma dizer-me: sempre estive a serviço...
Sob todos os aspectos da vida, a mulher está a serviço.
Não escapa a essa domesticidade, e essa fidelidade, a inteligência feminina, a serviço da mentalidade masculina.
Na literatura, na poesia, pensadora ou artista, não tem fisionomia própria: está a serviço do passado, da rotina, dos preconceitos religiosos, políticos ou sociais, do modernismo em arte ou dos revolucionários.
Vivemos a civilização unissexual.
Reivindicando os seus chamados diretos, dentro dos partidos, da luta de classes, dos métodos de ação da política reacionária ou revolucionaria, é impelida pelo homem, estimulada pelos chefes, - está sempre a serviço.
Pouquíssimas no mundo inteiro, raríssimas as que põem a inteligência a serviço da sua própria consciência.
Mas, não acontecerá o mesmo com os homens? São em numero elevado os loucos anormais, as “anomalias” que saltam os tapumes do redil social, arrancando da cabeça o disco de gramofone do simbolismo admirável de Andréas Latzko?
São muitos os que souberam positivamente reivindicar o direito de ter cabeça?
São em número considerável os que desprezam o balar harmonioso dos rebanhos de parábola, a louvar os magarefes e os afiadores de facas?
São tantos assim, os que, loucos, anti-sociais, anti-patriotas, anti-religiosos, anti-sectaristas, anti-dogmaticos, livram-se de todas as muletas e de todos os escapulários?
A grande maioria dos pensadores de rebanho, impermeável ás próprias verdades subjetiva, emparedada dentro do ídolo majestoso da rotina.
Cultura de rebanho, os diplomas e as glorias das letras, das artes, das ciências, pensadores e filosóficos, acadêmicos e doutores – a serviço da ordem social, do massacre humano, da civilização industrial, da concorrência, do canibalismo, do progresso material – todos tocam o disco da marcha vitoriosa das “mentiras vitais”, dos ídolos, da tradição, dos dogmas e do “que poderão dizer?”
A covardia mental é a mais poderosa das forças reacionárias.
Respeitar, repetir, louvar – é a palavra de ordem social.
E a mulher é a educadora da infância!
Nas suas mãos está a escola.
E quanto absurdo, quanta cretinice, quanta barbaridade patrioteira, quanta estupidez honrada e virtuosa eu ensinei na escola, á criança e a juventude!
E’ o que repetem os milhões de professores pelo mundo inteiro – para a conservação do fóssil do passado reacionário no dominismo dos padres, dos reis, dos democratas demagogos, dos militares e do bezerro de ouro.
Essa é a ordem social e nenhum instrumento mais apto á sua conservação embalsamada do que a mulher.
Chegaremos a tempo de acordar os mortos?...
Aprender a pensar e ter o heroísmo de pensar em voz alta não é privilegio do homem.
E’ certo: é mais fácil e mais cômodo vender-se á gloria de picadeiro e arquibancadas patrióticas e religiosas, á sedução dos aplausos inconscientes das multidões, aos uniformes das academias, ás condecorações e títulos honoríficos, ao prestigio social.
Não invejemos os mais belos talentos de subterfúgios, masculinos ou femininos, a serviço das leis, da ordem, da policia, da sociedade, dos crimes contra o gênero humano.
Pertencer a uma grei, a um partido político, religioso ou social, ser o porta-voz de um dominismo contra outros nomes de advogados e políticos, de acadêmicos e militares, de sacerdotes e profetas.
Nada de muletas.
Nem uma muleta é capaz de nos trazer a felicidade interior.
A humanidade não soube encontrar ainda a solução para as duas necessidades principais, os instintos predominantes do reino animal e seguiu rumo oposto á sabedoria dos chamados irracionais.
Comer e Amar.
E o gênero humano enlouquece, degenera-se, suicida se, esmigalha as suas energias latentes mais admiráveis, cria a prostituição, as leis e o vampirismo social e tripudia por sobre os mais belos sentimentos e por sobre a pureza delicada de tudo que é belo e puro e nobre e santo – para satisfazer aos dois instintos predominantes.
Só consegue desviar-se cada vez mais do objetivo.
Todos insatisfeitos! Doloridos de fome ou indigestão. E famintos de amor.
E seria tão simples...
E é tal a complicação industrial e econômica, e é tal o grau de civilização, que são consideradas “anomalias”, as inteligências a servidão da volta á natureza, da vida simples, da realização interior – para a interpretação e solução do problema humano dentro da lei do Amor, solução que se resumiria nos imortais postulados de ética:
Sê tu mesmo.
Conhece-te.
Realiza-te.
Faz o que quiseres.
Não matarás.
Ama ao teu próximo como a ti mesmo.
Porque – só para amar foi feita a vida.

Autor: Maria Lacerda de Moura
Obra: Amai e... não vos multipliqueis
Paginas 27 á 37
Editora: Civilização Brasileira
Ano: 1932

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