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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

É preciso escandalizar¹

     Todas as seitas, sociedade ou partidos, todos os homens, classes ou coletividades que não estiveram o atrevimento de escandalizar o mundo com as suas idéias, os seus métodos e os seus atos, forneceram sem que os menos duradouro, no curso das idades.
     Quando dizemos escândalo queremos precisamente exprimir admiração ou espanto que causam os princípios ou práticas hostis ao ambiente estabelecido.
     Se os cristãos não houvessem escandalizados o mundo com as loucuras do Nazareno - seu símbolo - com o terror da Providências, com a infinita bondade, justiça e sabedoria do Padre Eterno, com as indescritíveis delicias dos céus e os espantosos martírios do limbo, do purgatório e do inferno, ninguém lhe teria feito caso, como assim mesmo não o teria feito se não tivessem impressionado os povos com a sua audácia, abnegação e heroísmo, e secos mais dedicados defensores não se tivessem, como o seu "chefe", coroado com a auréola do martírio.
     As concepções e a audácia de Sócrates, e a cicuta que foi obrigado a beber, revolucionaram a mentalidade humana na época.
     Galileu destruiu rapidamente o sofisma da teoria da imobilidade da terra com a famosa frase: " eppur si muove!"².
     Se o luteranismo e o calvinismo produziram a reforma e facilitaram o surgimento do positivismo, foi porque escandalizaram o mundo cristão, levando a duvida aos cérebros, submetendo a Bíblia ao escalpelo da critica.
     Por sua vez o positivismo triunfou espantando todos os crentes com a sua filosofia e as arrojadas concepções eminentemente materialistas.
     O atrevimento de homens como Babeuf, Herbert e Otávio Mirabeau, e a valentia de um povo heróico proclamando a liberdade, igualdade e fraternidade.
     Pensamos um momento sobre a audácia dos trabalhadores de Paris que, apesar de estarem às energias populares esgotadas pela guerra franco-prussiana , tiverem a coragem de implantar a Comuna numa época em que apenas despontavam as idéias socialistas e anarquistas; pensemos no seu sacrifício realizado na semana trágica contra as tropas de Thiers, e teremos uma idéia de razão da universalização rápida dos novos princípios de regeneração social.
     As forcas de Chicago descreveram sobre as gerações novas a famosa frase de Spies:
     – Saúde oh! Tempos em que o nosso silêncio será mais poderoso que  as nossas vozes que hoje sufocada com a morte!
     Quem não foi tomado de assombro pela temerária revolta dos heróicos marujos do couraçado Kinazpotkine? Que de estímulos não criou o arrojo desses valentes?
     Hoje, todas as bocas limpas repetem o memorável exclamação de Ferrer: – VIVA LA ESCULA MODERNA!
     As transformações sociais, politicas, econômicas, morais e filosóficas, as revoluções, ascensões dos plebeus, dos escravos, produzem-se pelo escândalo.
     O mundo marcha à força de escândalos, e a humanidade só concebe uma idéia ou um ato depois de ter-se escandalizado, depois de ter sido a sua atenção atraída para estas idéias e atos com a admiração e a impressão.
     Quando se propaga seja o que for, com desvios ou roupagens, mais ou menos enigmáticas, quando se emprega uma fraseologia escolhida para não assustar ou para não escandalizar, o auditório ouve filípicas como quem ouve chover.
     E nós, se não queremos gastar a cachola nem os pulmões inutilmente, Têmis que propagar as nossas idéias sem prudência alguma, sem palavras com sentido figurado.
     É preciso ter a sinceridade do camponês: pão é pão e vinho é vinho.
     Tratemos, por todos os meios, de escandalizar a todo o mundo, em todo o momento e lugar.
     Gritemos bem alto, com toda a força, os nossos princípios, as nossas doutrinas; e se alguém fugir de nós devemos correr atrás dele até alcança-lo, e continuar a gritar, certos que não podemos perderemos tempo, porque, quem foge é porque fez caso das nossas erengas e foi impressionado por elas. Os irredentos, os que não podem assimilar os nossos sentimentos, ficam muito tranquilos, porque não compreende patavina, ou estão pensando em coisas que não tem nada com o que nós esforçarmos em fazer-lhe sentir
     Escandalizemo a todos.
     Quando tivermos escandalizados o mundo, ele será nosso.
     Quando o anarquismo for espalhado por toda a terra a Anarquia terá triunfado.

Lisboa, 1913

¹ Carvalho, Florentino de. Germinal! Ano 01 – N°. 18 – 20.07.1913

² "mas se move"

Livro: Anarquismo e Anarquia
Autor: Florentino de Carvalho
Editora: Imprensa Marginal
Pagina: 59 à 61

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