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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Maluquices

Um grupo de alienados

A nacionalidade é uma ficção absurda e perigosa. 
A idéia patriótica e a idéia religiosa são superstições
 inventadas para conduzir a vontade do povo.

     O que é uma bandeira? Um farrapo. Ideia dum homem. Obra de um homem. Trapo colorido por meio de combinações químicas.
     Auriverde azul e branca alvirrosada ou rubro-negra, segundo a vontade dos maiorais da pátria, TEMOS TODOS NÓS que aceita-la como símbolo de que não partilhamos venerá-la como ídolo sagrado e único. ENCARNAÇÃO MAIS QUE A PERFEITA DO SOLO QUE NOS VIU NASCER... No qual sempre estamos isentos de arrastar uma vida de baixezas e privações...
      É DEVER DE TODOS ERGUER-SE E DESCOBRIR-SE À PASSAGEM DA BANDEIRA!
      Bela patada, não acham? Como se concebe esse dever, essa obrigação, essa imposição disfarçada, se a ultracomicíssima constituição da República nós ASSEGURA a liberdade de pensamento?
    
Ora bolas... senhores  PATRIOTAS!
     Patriotas?  Que dissemos nós?!... Pode lá haver patriotas, se há na vida humana um choque formidável de interesses, um confusão latente de transações, um VAI E VEM ininterrupto de VENHA A NÓS, um contraste flagrante em tudo que se nos depara à vista e à imaginação?  Se todos, nacionais e estrangeiros, estão à mercê dessas determinantes do atual  estado de coisas?
     O que há não é patriotismo, propriamente dito. Há, falta demonstrativa de raciocínio apurado, no gentio apalermado e infantil que compõe a classe baixa.
     A idolatria não é senão um estado mórbido de compleições místicas. Logo, se a bandeira – como as imagens religiosas etc. – é um ídolo, o que vem a ser os que a idolatram?
     Se a bandeira içada nas fachadas dos edifícios públicos e particulares, em dias feriados, é tão brasileira, tão nacional como a dos batalhões, por que motivo há de a gente levantar-se a descobrir –se à passagem da bandeira e não quando passa pela bandeira?
     Pobre homem! Caricata BESTA HUMANA!...
     Há fome e pratos pelo Brasil afora. Filhos do país na maior miséria, sem comer e sem domicílio, fazem-se mendigos, vadios, gatunos, morrem de inanição ou suicidam.
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILHEIRO!
     Operários nacionais explorados por estrangeiros, no comércio, na indústria, na fabrica, na agricultura etc. etc., e, enquanto estes enriquecem fabulosamente, aqueles não passam de reles proletários, quase sempre a braços, em grande número, com a falta de quem lhes queira dar trabalho, muitos deles com família e sem crédito algum... porque são pobres...
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     A luta do contestado, onde as maiores monstruosidades foram praticadas pelas forças federais, contra ignorantes e indefesos mambiras, vítimas da sanha politica dum bando de magarefes; do governo que lhes roubou as terras que lhes haviam sido dadas, para vendê-las a um sindicato estrangeiro, e daquela ridícula quão caprichosa questão de limites entre Paraná e Santa Catarina.
     E NÃO COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Há uma enorme dívida externa a pagar. Tiram-se, para isso, uns tantos por cento do ordenado dos pequenos empregados do Estado, criam-se novos impostos – não sobre o álcool, o fumo, a seda etc., não – mas sobre aquilo de que mais precisa o povo, quando existem no Brasil milionários e até multimilionários, brasileiros, que podiam saldar esse vergonhoso compromisso.
     Um deles é o senhor Rui Barbosa, multimilionário, que se limitou a fazer uma conferência em Buenos Aires...
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Brasileiros que vivem na opulência, desfrutando de tudo quanto é belo e indispensável à vida, e brasileiros que passam uma vida de cão, morando em choupanas infectas, sem muitas vezes ter pão para dar ao filhinho estremecido que lhe pede banhado em lagrimas.
     Brasileiros, senhores? Brasileiros, escravos? Uns morrendo de fome, outros de indigestão.
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Esta doente? Aqui tens a Santa Casa. És  mendigo? Ali tens o asilo. Dormes na rua? Tens, além, aquela outra infâmia que é o Albergue Noturno. És ladrão? Assassino? Vadio? Sem que seja responsável do teu crime? Lá está a cadeia, onde vão perverter-te ainda mais.
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Conclui-se então QUE NÃO HÁ COISA PIOR DO QUE SER BURRO!

Guerra Sociale (SP), ano II, n.°32 (1 set. 1916).

Livro: Contos Anarquistas
Autor: Antonio Arnoni Prado / Francisco Foot Hardman
Editora: brasiliense
Pagina: 54 á 56
Ano:1985

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