Pesquisar este blog

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A Lanterna e o Padre Faustino de Campos

O clero era, então um dos mais terríveis inimigos da ciência, da arte, do bem-estar social para todos e da liberdade. Tudo para a Igreja tinha que ser violado, deturpado e, para conseguir tais coisas, ludibriava os menos avisados chefes de família e estes eram tantos que lhes proporcionavam uma força e um prestigio sem limites.

Desde os primórdios do seu aparecimento sobre a face da terra, o clero se organiza no poderoso quartel general de Roma e ali alabora planos e expede-os para as suas sucursais espalhadas pelo universo.
No ano 120, inventaram a água-benta; no ano 157, a penitência; no ano 325, a páscoa da ressurreição; no ano 375, o culto dos santos; no ano 391, a missa; no ano 400, as encomendações dos mortos; no ano 550, o óleo santo; no ano 593, o purgatório; no ano 600, o primado do papa; no ano 699, o culto da cruz e das relíquias; no ano 800, o beijo na sandália do papa; no ano 933, a beatificação dos beatos; no ano 1000, a canonização dos santos; no ano 1015, o celibato dos padres; no ano 1066, a infalibilidade da igreja; no ano 1090, o rosário; no ano 1119, a indulgência; no ano 1160, os sete sacramentos; no ano 1200, a consagração da hóstia; no ano 1204, inquisição e, por ai foram criando e inventando formas e processos de dificultar a culturas dos povos, vedando-lhe, por todos os meios e modos, a verdade e a liberdade.

O Brasil foi uma das suas grandes presas. País rico e com uma fabula extensão territorial fértil e pouco povoado, abriu de tal maneira os apetites do clero, que logo aportaram, invadindo seu território e montaram sucursais de Roma, por toda a parte. No começo, humildes e insinuantes, mas logo agressivos, vingativos e traiçoeiros até à medula. Confessores dos reis, dos imperadores, dos ministros, dos políticos, capelões de fazendas, dos presídios e muito especialmente, confessores de mulheres e educadores de crianças (1), conseguiram penetrar nos segredos familiares e, de posse destes, roubar terras, prostituir mulheres e meninas. Tudo se fazia em nome de Deus e da Virgem Maria, e graças à terrível, mas sutil habilidade, o clero é ainda hoje o maior latifundiário, depois do Estado. Tornou-se tão escabrosa a conquista e o roubo de Terras por certas facções da Igreja de Roma, que também o padre Cepeda, num documento célebre, diz o seguinte: “Os insignes ladrões do colégio dos jesuítas do Rio de Janeiro” e continua: “principalmente o padre Luiz de Albuquerque foi durante vinte e quadro anos, procurador da causas e tantas terras furou para a Religião e nunca perdia uma demanda porque via alguma mal parada, furtava os autos, custasse o que custasse”. (2). O roubo campeava nas hostes clericais, e para que tudo desse certo organizaram-se seitas aparentemente de escolas deferentes, mas na realidade com fins exatamente iguais: o roubo em favor da igreja.
Frades organizavam “trust” do comercio, na agricultura e no contrabando. Tornou-se famoso o “trust” da carne, em Minas Gerais, dirigido pelo Frade Francisco de Meneses da Santíssima Trindade, chegando a “dominar todo o mercado, graças ao suborno dos homens do governo. Foi o Homem da proa de uma das mais grossas negociatas que ainda se organizaram no Brasil”. (3). No setor do ensino, foi a sua fonte de influencia, o meio de penetrar e dominar a juventude através de métodos bem planejados, criando para isso, orfanatos e colégios, onde internavam e catequizavam suas presas. Frei Teodoro da “Divina Providência” foi denunciado pelo “Jornal do Recife”, de 22-4-1859, e censurado pelos seus comparsas, por raptar uma menina, deixando à mostra as bandeiras de sua grei. Segundo os seus censores, aquêle Frei quebrou a disciplina imposta pela palmatória _ a famosa santa Luzia _ e pela catequização conseguida por muitas gerações. Os jesuítas e demais seitas religiosas “conseguiam dos índios que lhe dessem seus culumins, dos colonos brancos, que lhes confiassem seus filhos, para educarem a todos nos seus internatos, no temor do Senhor e da Madre Igreja, lançando depois assim os meninos educados, contra os próprios pais. Tornando-os mais filhos deles padres e dela Igreja, do que dos caciques e das mães caboclas, dos senhores e das senhoras do engenho e do sobrado” (4). Esses métodos de educação, “terríveis e sutis”, vieram produzir os “carneiros e carneirinhos” calados, olhos tristes, sem “vontade própria”, como eram chamados os alunos do colégio “São Joaquim” do Rio de Janeiro. As gerações educadas como “carneirinhos”, precisavam ser combatidas e esclarecidas, e foi para isso que, em 1901, apareceu o jornal anti-clerical “A Lanterna”, que defendeu heroicamente a liberdade de pensamento, denunciou os crimes e as mistificações da Igreja e satirizou os “monstros” da batina. Já, na sua segunda fase, denunciou o crime da menina Idalina de Oliveira, praticado pelo padre Faustino no Orfanato Cristóvão Colombo, no Ipiranga (5).
Trava-se, então, uma luta sustentada de um lado pela “A Lanterna”, que logo recebeu o apoio da Classe operaria organizada, e do lado oposto, um grupo do clero e seu Exército de crentes. Idália de Oliveira fora internada no orfanato, pelo tutor Stamoto, e logo estrangula e enterrada no quintal do colégio, por não aceitar passivamente as tentativas do tarado sexual, padre Faustino. O algoz de Idalina lagrou vencer-lhe a pouca resistência física e como esta, mesmo assim não cedia aos intentos bestiais, matou-a. Toda via, os homens da “A Lanterna”, logo descobriram o crime, levando-o para os conhecimentos de seus leitores, tendo os anarquistas e o movimento operário promovido estridentes comícios, onde se manifestarão publicamente e através da imprensa, os pensadores liberais de então. A Igreja revida a denúncia e o padre Gastão de Morais _ na cidade de Santos _ agride com o seu guarda-chuva o velho militante anarquista Krup que esperava no Largo do Rosário, hoje Praça Rui Barbosa, o inicio do comício, onde pretendia responder as perguntas que o pairava em todas as mentes: “Onde está Idalina?” O conflito generalizou-se quando o povo tentou punir o padre que se refugiou na igreja para dar lugar à intervenção policial que impediu a realização de manifestações de protesto. Idalina de Oliveira morreu assassinada fria e covardemente, mais o seu sacrifício permitiu levantar a Opinião publica contra a “intencional negra”, representada pelo anormal padre Faustino de Campos.

Revidando com bestialidade as greves desencadeadas na Argentina, Em maio de1910, o governo de Alcoorta deporta e expulsa muitos anarquistas daquele país, alguns dos quais pretendiam ficar no Brasil. Todavia, o governo de Nilo Peçanha, temendo a ação dos “perigosos anarquistas” não o permitiu, salvo em Santos, onde o Movimento Operário conseguiu “ficar” com Florentino de Carvalho, alegando de sua condição de ex-soldado da Força Publica Paulista.
Por essa época, agitavam-se as correntes liberais em muitos países e nascia a primeira republica portuguesa, depois de alguns tiros trocados em Lisboa. Assim, enquanto na Argentina o governo de Alcoorta expulsava os anarquistas, o governo republicano português expulsava jesuítas, frades e freiras. Nilo Peçanha, que havia negado entrada aos anarquistas, escorraçados da Argentina, viu-se, desde logo, sujeito à pressão clericais para aceitar os frades que a jovem Republica Portuguesa não mais queria em solo lusitano. A princípio, houve leve resistência à entrada dos agentes da Internacional Negra, mas logo um mandato do Superior Tribunal legalizou a permanência do clero expulso, alguns dos quais implicados crimes comuns. Ao se positivar as duas faces da lei – a que negava o direito de asilo aos anarquistas expulsos por delito de idéias, e a que permitia a entrada franca e permanência a jesuítas, frades e freiras responsáveis pela pratica de orgias e bacanais nos conventos, e titulares de fortunas “herdadas” através de adulterações e falsificações de testamentos, e até alguns que a haviam pegado na mão dos moribundos milionários, fazendo-os assinar folhas de papel em branco _ desponta um movimento de protesto que, em seu tempo, foi de muita importância. As duas “faces” da lei sempre existiram, mas só se revelava quando estava em jogo “altas” figuras do mundo burguês e do clero, e os frades representavam as riquezas do clero, enquanto os anarquistas, significavam (para os governantes) a ralé, os párias da sociedade, o proletário sem tostão, e esses não tinham porque ganhar amparo constitucional, a esses tudo lhes era negado, mesmo tratando-se de direito consignado nas constituições de muitos países. Muito compreensível a vitoria dos jesuítas e frades... A Igreja marcou outras vitórias como o crime praticado no Orfanato Cristóvão Colombo, tendo como vitima a menina Idalina de Oliveira e o seu criminoso o padre Faustino; vitória que terminou com muitas prisões, entre as quais o diretor de “A Lanterna”, Edgard Leuenroth, do diretor de “La Battaglia”, Oresti Ristori, jornais então publicados em São Paulo, o primeiro em português e o segundo em Italiano.

(1) Num brilhante artigo “A Rebelião”, publicado em “A Terra Livre”, de 22 de março de 1990, o militante anarquista João Gonçalves afirmava com muito acerto, que das “crenças que sorvemos da infância, embora delas nos divorciemos, ferem-nos constantemente os ouvidos, ás vezes, parecendo mais risonhas, mais suaves, mais amoráveis que a dura e sã realidade, acodem-nos de quando em quando à mente, como a despertar a idéia de representarmos as coisas de maneira diversa do que são, sacodem amiudamente as nossas convicções, impelindo a ver o que não é e a não ver o que é”.

(2) Do livro “Sobrados e mocambos”, de Gilberto Freire. José Olimpio, Editor.

(3) Idem,idem.

(4)Idem,idem

(5)Esta denúncia levou ao banco dos réus os anarquistas Oresti Ristori, diretor de “La Battaglia”, Edgard Leuenroth, de “A Lanterna” e livre-pensador Passos Cunha.

Extraído:

Livro: Socialismo e Sindicalismo no Brasil
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: Laemmert
Pagina: 295 á 299
Ano: 1969

Nenhum comentário:

Postar um comentário