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quarta-feira, 30 de março de 2016

PARA O DESPERTAR DA MULHER

     Duas distintas senhoras residentes em Santos procuraram-me para me dar o prazer de muito honroso convite.
     Na capital em Santos, com tendências para se alargar pelo interior do Estado e por todo o Brasil, trata-se da fundação de um Centro de Estudos Sociais para o despertar da mulher.
     Inútil é dizer: A ideia fez vibrar o meu entusiasmo de batalhadora impenitente em prol da emancipação feminina.
     -Que vos posso eu dar, ilustres descendentes dos Bandeirantes?
     O mealheiro parco da minha pena corajosa, da minha palavra rebelde.
     Um coração que pulsa ao contato da Dor Universal.
     E é só porque sou eu mesma.
     -Qual o papel da pensadora de agora, nesse período tumultuoso de transição social?
     É o seu dever sair despertando alvoradas de vidas...
     As idéias se entrechocam a cada passo, parece que ninguém se entende; a intolerância, o sectarismo abrangem todo campo de ação.
     Por toda parte se fundam "ligas" e associações que morrem, outras que vencem, outras que degeneram, outras que caem na rotina, e - tudo continua na mesma.
     A solução não foi encontrada.
     O pensamento humano caminha num caos.
     O sentimento se desgasta, o caráter é quase mito. Entre nós (e as idéias se fundem em hipóteses para o advento de outros sonhos) não há espírito associativo.
     Entre os elementos feminino as dificuldades nos representam-se mais fortes.
     A mulher brasileira não foi habituada a pensar.
     Educada sobre os prismas diversos - para brilhar para a sociedade ou para a sociedade de ação e se deixa ficar, inconsciente, adormecida.
     Não imagina que os males da civilização têm o seu ponto de apoio no regaço feminino.
     Não raciocina que giramos nem circulo vicioso: é a mulher que compete educar o homem? Está preparada para essa nobre tarefa?
     O homem lhe oferece meios para isso? Na evolução humana não foram cerceados os direitos femininos?
     A escravidão secular da mulher não determinou um tipo comum?
     Esse é quem estará em condições agora de ser o encaminhador das gerações
     O homem é quem deve educar a mulher ou a mulher, naturalmente, a educadora do homem?
     E se ela se desviou na sua evolução lenta através de uma vida apagada mentalmente?
     E as suas faculdades intelectuais que dormem na inconsciência de uma apatia secular?
     E ela não imagina que tem o seu quinhão no eleijão "melindrosa" e na degenerescência "almofadinha".
     Não vê o seu cérebro, não acredita nas suas energias, não se considera capaz de colaborar com o homem para o advento de sociedade mais alta, na amplitude de idéias menos estreitas.
     Assim, qualquer iniciativa feminina deve ser aceita por toda gente que pensa no bem-estar coletivo, porquanto - educar a mulher, fazer-la  sentir a missão regeneradora confiada a seu sexo - é iluminar melhor todos os desvãos da sociedade, é acender um foco de luz em casa consciência.
     São os primeiros ensaios para esse espirito de solidariedade.
     Aqui, além, acolá, onde quer que apareça um grupo de senhoras de boa vontade - que todos estendam as mãos: é o acordar da letargia milenar.
     Existem centenas de associações. Que importa? Façamos outras. Um dia sentiremos, de mais perto, a necessidade da união de todas as mulheres e de todos os homens para a obra coletiva da fraternidade humana.
     São pequeninos pontos de apoio para a naturezas ainda escravizadas ao contato de preconceitos sociais.
     Que mal há que as mulheres se reúnam em bairros, em quarteirões, em cada canto das cidades se elas vão tratar da mulher e da criança, do lar e da vida?
     Oxalá, em cada rua houvesse uma associação feminina para estudar problemas sérios!
     Então teríamos a certeza de que em breve essas pequenas colunas se ergueriam em formidáveis sustentáculos de sociedade menos egoísta, menos corrompida.
     É assim, que eu ofereço o que melhor tenho de mim mesma a todas as mulheres que me dão a mãos num gesto solidário, em busca da solução definitiva - o bem estar para toda a gente.
     O radicalismo só é permitido em tratamento de casos da consciência.
     Quando a mim tenho os meus princípios, defendendo-os responsabilizando-me pelo meu verbo. Penso e digo o que sinto, corajosa, ousadamente.
     Não tenho porém o direito de atirar o primeiro nem a ultima pedra naquele que, inconscientemente talvez, abrange ponto de vista menos amplo ao meu ver.
     Nesse caso compete estudar as causas determinantes de um temperamento leviano, fútil, egoísta ou mundano.
     Nesse caso é preciso aquilatar das forças latentes do nosso companheiro de ação.
     É imprescindível analisar as causas psicológicas e as convicções sociais que formaram tal tipo.
     É preciso procurar impulsionar tais indivíduos de acordo com as suas capacidades de criar e desenvolver, pelo menos.
     É necessário elevanta-lo um pouco mai, fazer entrar, nesse desenvolvimento, fatores sociológicos, processos de evolução natural - psicológicos, éticos e determinar para modificações lentas e salutares.
     A natureza não dá saltos.
     Séculos de escravidão feminina não podem permitir que a mulher se faça criatura perfeita mentalmente de um dia para outro.
     Impossível exigir, com palavras, da "melindrosa" que ela não seja melindrosa. Esse desvio da coluna vertebral da humanidade foi o resultado de descuido, proveio de um tombo...
     Parabéns ás senhoras paulistanas e santistas na sua obra de redenção.
     A questão capital não é a filantropia ou a escola, tal como as conhecemos.
     Nas cidades a escola existe e... as civilizações (as avessas) partem dos grandes centros para o interior. A educação, tal como vemos, é "deseducação".
     Quando à filantropia: uma criança levantada dos ralos de esgoto públicos não impede que milhares de outras desgraçadinhas ali sejam atiradas.
     O que é urgente é despertar a mulher para os outros sonhos, quiçá, mais amplos na vastidão dos problemas insolúveis dentro do regime da atual organização social.

MARIA LACERDA DE MOURA
( A TRIBUNA - Sábado, 08 de Outubro de 1921 )
 

 Extraído:
Livro: Serviço Militar Obrigatório Para Mulher? Recuso-me! Denuncio! (e outros escritos)
Autora: Maria Lacerda De Moura
Editora: Opúsculo Libertário
Paginas: 45 á 49
Ano: originalmente em 1933- 3º reedição 1999

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