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domingo, 6 de março de 2016

CRISTO, CONDENOU O ESPIRITO NACIONALISTA

"Estava ali a fonte de Jacó. Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se junto da fonte. Veio uma mulher de Samaritana tirar água; disse-lhe Jesus: "-Dá-me de beber".
Respondeu-lhe , pois, a mulher Samaritana; "-Como, sendo tu Judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?"
(JOÃO, IV, 6-9)

     O pensamento de Cristo, expresso nesta pequena passagem e narrado por João, quase dispensava qualquer comentário. Jesus deixou claramente fulminado o espirito nacionalista, condenado o estulto preconceito do regionalismo das pátrias. Como todo homem livre, como toda consciência clarividente a serviço das grandes ideias libertarias e humanas - era anacionalista, inimigo do ódio racional que incrementa ainda, nos dias atuais, as discórdias entre os povos, para gáudio tão somente das internacionais Armamentistas, sustentados pelos tubarões insaciáveis do imperialismo econômico. Se, já naqueles dias, Jesus repudiava o o nacionalismo dos povos, com muito maior razão devemos nós, em pleno esplendor do século XX, obliterar qualquer ideia estreita de fronteiras e de bandeiras, pois, mais do que nunca, vivemos uma das grandes e memoráveis horas estelares da humanidade.
     Sentimos de perto a vertigem da inquietação universal. A ciência moderna, principalmente a Física e a Química. transformou, de maneira empolgante, as equações do tempo e do espaço; e com a eletricidade, o radio, a televisão, o cinema, o avião, o telefone e o telegrafo, o homem deixou de ser cidadão de determinado país ou região para ser uma expressão econômica e um fator efetivo na sociedade internacional. O homem do século XX tem repercussão universal! A consciência humana está vigilante. O radio nos pôs em contato direto com os outros povos. O estrangeiro desapareceu para substituir apenas o homem - o homem europeu, o asiático, o africano ou o americano, todos unidos pelos mesmos laços de sofrimentos e de solidariedade humana. Já não há lugar, no presente instante universal, para as doutrinas de Monroe do nacionalismo intolerante. E que vemos? Pelo telegrafo e pelo rádio o homem do século de Lenine, Gandhi, Einstein, Marconi e madame Curie, ouve à noite, no recesso de sua casa, as ultimas novidades e os grandes sensacionais acontecimentos do dia: Stalin fala a seus irmãos da Praça Vermelha... Hitler desaparece... Mussoline é trucidado pelo povo... Roosevelt deixa o mundo... Nagasaki e Hiroshima pulverizadas pela bomba atômica... Hiroito não é mais divindade... A França se levanta... A bandeira vermelha tremula na porta de Brandeburg... Vitória do Partido Trabalhista na Inglaterra... Formam-se republicas democráticas no Oriente... Os judeus voltam a Palestina... Gandhi é assassinado... A Espanha encarcera os patriotas... Greve em Londres... Greve na Itália... Greve na França... Greve nos Estados Unidos...Guerrilheiros Grego são assassinados. Plano Marshall... Plano Tung, o filósofo-soldado, liberta a China... A bancarrota na Inglaterra... Tremenda crise econômica ronda os Estados Unidos... A Rússia estuda os raios cósmicos... Congresso de paz em Paris... Armas norte americanas para a Europa Ocidental... Dólares para a França, para a Itália, para a Grécia,para a Bélgica, para a Holanda, para a Alemanha. Petróleo da América Latina... As bases aéreas e navais norte-americanas no mundo... A inquietação balcânica... As agitações do Oriente Médio... Espiões nazistas absorvidos no Brasil... Cataclismos e maremotos... As estranhas da terra protestam contra as injustiças humanas... Os últimos estertores, enfim de uma Civilização agonizante... É todo clamor universal e o nervosismo do momento social por que passa a Terra, trepidando nas ondas do rádio e nos fios telegráficos...
     Como subsistir ainda o nacionalismo das pátrias, das bandeiras e das fronteiras?! Cristo anarco-individualista livre, pedindo água, como judeu, a uma mulher Samaritana, filha de um povo inimigo e que odiava a sua gente, quis mostrar com a lição de vida do exemplo, o seu carácter anacionalista. Esse seu gesto, ao que parece, causou profunda surpresa à própria Samaritana, pois, do contrário, dos seus lábios não sairiam aquelas palavras de espanto e ao mesmo tempo de censura: "Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?"
     Mas Jesus fez mais ainda: conviveu com esses mesmo povo. "Indo, pois, ter com ele os samaritanos, regaram-lhe que ficasse com eles; Jesus  ficou ali dois dias." (1)
     Certa ocasião passando o Mestre pela cidade de Samaritana, em demanda de Jerusalém, limpou um leproso.
     "E, respondendo Jesus, disse: "Não foram dez os curados? Onde estão os outros nove? Não houve quem voltasse a dar gloria a Deus sendo esta estrangeiro."(2)
     Este estrangeiro, conta-nos Lucas, era também um Samaritano.
     E ao evocar aqui, nestas linhas, o anarquismo de Cristo que condenou o nacionalismo e o preconceito racial, recordamo-nos daqueles tocantes e inspiradas palavras de Bahaou Ilah: "Irmãos, ouvi: não há raças, há almas!"
     E ao fechar esse capitulo, fazemos nossas as seguintes palavras do grande pacifista livre, Romain Rolland: "Eu sou o Amor Fraternal, a grande Comunhão. É em seu nome, ó loucos, que vos destruís. Há séculos, que eu sofro para livrar das cadeias da bestialidade. Procuro tirar-vos do vosso puro egoísmo. Na estrada do tempo, avançais afegantes. separando a sufocação arquejante das vossas tropas em marcha. Foi a vossa debilidade que plantou esse alinhamento, essa divisa. Para vos conduzir mais longe, espero que tomeis folego. Mais, sois tão pobres de alento e de coração que, de vossa impotência fazeis uma virtude. O heroísmo de que tenho necessidade, não é dos Bayards, das Joana d'Arc, cavaleiros e mártires de uma causa já agora ultrapassada, mas dos apóstolos do futuro, grandes corações que se sacrifiquem por uma pátria mais larga, por um ideal mais alto.
     Em marcha! Saltai as fronteiras! E que a ronda dos homens faça a volta do globo,dando-se as mãos... Povos, estais loucos. Matais a pátria, acreditando defende-la. A pátria, sois todos vós. Vossos inimigos são vossos irmãos! Abraçai-vos, milhões de seres!"

(1) - João, IV, 40
(2) - Lucas, XVII, 17-18

Extraído: Cristo, o maior dos anarquistas
Autor: Anibal Vaz de Melo
Pagina: 84 á 87
Editora: São Paulo
Ano: 1956

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