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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A revolução que os anarquistas procuravam

     Pode-se proclamar sem nenhum receio de contestação que a verdadeira revolução não começou! Que não teve inicio sequer uma transformação convincente, capaz de mudar os costumes arcaicos, as formas de vida e abolir as hierarquias de classes, processional e social, que separam, subdividindo em diversas camadas, os seres humanos.
     A derrocada de um governo por razões subjetivas, emocionais, sem a existência de convicções ideológicas e de uma conscientização revolucionaria, não é revolução!
     Revolução não se faz apenas com espingardas na mão; é preciso que exista uma idéia revolucionaria no cérebro de cada lutador!
     Revolução não é luta pelo poder e nem substituição de um governo pelo outro; isso é um golpe de Estado: troca de um político por um político, um militar por um civil ou um civil por um militar! É apear o que está em cima para colocar em seu lugar o que estava em baixo! É inverter a ordem da luta e transformar a oposição em governo e governo em oposição!
     Revolução não é feita por um "conselho revolucionário" com assento num palácio reunido a portas fechadas para decidir por toda a nação, em nome do povo que não foi ouvido, o que se pode ou não, o que deve ou não fazer! Predisposição autoritária, irracional de ditar ordens de cima para baixo!
     Revolução não se faz por processos eleitorais, com mudanças de "lideres", debates partidários, disputas entre partidos pela supremacia numérica de pastas a ocupar, controle dos meios de comunicação escrita e falada, imposições e censura das esquerdas em substituição da direitas ou vice-versa! Revolução não é "ordem" nem "desordem" no sentido clássico! Não é a obediência irrefletida, concordância cega, respeito às leis que acabam de substituir leis!
     Revolução não se faz habitando luxuoso palácio. Tão pouco se faz revolução fugindo para o exterior com dinheiro acumulado às custas do trabalho do povo!
     Revolução não é culpar os anarquistas pelos desacertos administrativos dos governos, nem se fará com ambição politica.
     Revolução não é perseguir e caluniar os vencidos, proferir ofensas pessoais, promover agitação de rua, inspirar manifestações por tudo e por nada com discurso candentes, com protestos , debates, chavões, "slogans"!
     Revolução não é abrigo de vinganças pessoais, individuais ou coletivas, não motivo para indiscriminadamente prender, assassinar, fuzilar, fazer lavagens cerebrais, determinar ilegalmente internação em manicômio!
     Revolução não é a paralização do trabalho, para obter somente aumentos salariais, com ou sem razão!
     Revolução não se faz com ajuda econômica da Rússia, da China, dos países do mercado comum ou da América do Norte!
     Revolução não é obra dos militares ou civis, não tem cor, não é exclusiva de ninguém, porque é uma obra transformadora e terá de ser de todos e de cada um!
     Revolução é um acontecimento muito importante, de alcance limitado, em constante transformação, sempre e sempre evoluindo!
     Revolução é antes de tudo uma idéia, um sentimento; é cultura; é trabalho e bem estar social distribuído equitativamente por todos! A revolução principia nos cérebros, evolui livremente fundada numa filosofia de vida generosa e positiva, baseada em sentimentos e ações que equilibram atitudes e movimentos, na harmonia que funde a natureza e o homem, que conhece e prepara personalidades emocionante autodisciplinadas, caracteres bem formados, cidadãos justos, capazes de produzir, participar, dar e receber.
     Revolução é um estado de espírito, consubstanciado na liberdade responsável, no livre acordo, no a apoio mútuo, na livre associação e na solidariedade humana. De maneira que a revolução vale tanto quanto os homens que lhe abrem o caminho, que lhe dão curso! Processa-se partindo da natureza – princípio e fim de todas as coisas; evolui com a cooperação voluntaria de todos, pela cooperação e administração do esforço manual e intelectual até alcançar o máximo de produção, da perfeição e da beleza. É um trabalho de todos em proveito de todos e de cada um!
     O homem é um animal sociável, um competidor permanente que rechaça em principio os esquemas rígidos, absolutistas; e visualiza constante aperfeiçoamento, sempre em busca do belo, do harmonioso, de estágio de justiça social; por isso, é também um revolucionário permanente por excelência!
     A revolução consciênte, positiva, realista, só pode ter o homem – centro de todas as coisas – como figura importante, o traço de ligação na nova sociedade que nasce. Por conseguinte, revolução equivale desenvolvimento da capacidade da criatura humana. A revolução consciênte fomenta e desperta a grandeza de sentimentos, solidariedade entre os povos, cultiva todos os dias o amor ao próximo e a humanidade, como se cultivam a saúde e a vida. Na sua marcha, visa a integração de sentimentos e idéias capazes de tornar o homem cada vez melhor, mais tolerante, compreensivo e justo. Sua meta é a grandeza do indivíduo pelo aperfeiçoamento constante, do simples para o composto, até atingi-la, no grupo, na sociedade, no plano econômico, social e humano, no plano intelectual e cultural!

(Voz Anarquista, Almada/Portugal, Dezembro de 1975)

Extraido:
Livro: Rebeldias – vol 3
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: Opúsculo Libertário
Paginas: 170 à 172
Ano: 2005

Um comentário:

  1. Salve! Um amigo, marxista, sabedor de que ando lendo e divulgando ideias libertárias, tem me confrontado um tanto duramente. Respondi a ele que tenho pouco mais de trinta dias de estudo libertário contra uma vida inteira de militância esquerdista dele. Ele tem me feito frente a partir das "teses" clássicas dos marxistas contra os anarquistas, e uma delas é que os anarquistas se prendem no que chamam de revolução em um único local - o mesmo erro no qual caiu o stalinismo -, em razão das negações (luta contra) do Estado a partir de sua realidade social e territorial. Eu sei que suas flechas podem ser respondidas sem grande malabarismo intelectual, mas dado meu envolvimento com o anarquismo ser recente, as repostas que lhe dou são como um trabalho de parto difícil e pouco pontuais... principalmente para ele, que está convencido da superioridade teórica do marxismo em relação ao anarquismo. Nesse exato momento, por exemplo, ele me confronta, como referido, utilizando o conceito de Trotsky de "revolução permanente". Estou estudando, mas não dá para de uma hora para outra dominar todo o corpus teórico anarquista.

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