Pesquisar este blog

terça-feira, 19 de março de 2013

A LIÇÃO DO ABUTRE (Photographo)


     “Meu  filho – disse o velho abutre – pois que tendes tido diante de vossos olhos os meus exemplos, menos necessidades havereis de meus conselhos.
     Vistes-me arrebatar na quinta o pássaro domestico, a lebre na moita, o pasto o cabrito. Sabeis agora como cravar as garras e como librar o vôo, carregando a presa. Deveis, porém estar lembrando de um alimento saborosíssimo: com carne de gente já muitas vezes vos tenho regalado.”
     “Ensinai-nos – disseram os abutrinhos – onde é que se encontra carne de gente e como reconhecê-la: sua carne constitui, por certo, o natural sustento dos abutres. Porque nunca trouxestes em vossas garras um homem ao nosso ninho?”
     “É que ela pesa demasiado, respondeu o pai; e, quando o achamos, tudo o que podemos fazer consiste em  rasgar-lhe a carne em pedacinhos e sobre a terra deixar-lhes os ossos.”
     “Já que o homem é tão grande, replicarão os filhotes, como arranjar para mata-lo? Tendes medo do lobo e do urso; por onde hão de ser abutres superiores ao homem? Será este mais indefeso do que o cordeiro?”
     “Não temos força do homem, respondeu o pai, e duvido, algumas vezes, que tenhamos tenta astúcia. Também da sua carne raro poderiam repastar-se os abutres, se a natureza, que o tem destinado ás nossas necessidades, não o dotasse de uma estranha ferocidade, que eu jamais observei nos outros animais terrestres. Acertam, frequentemente, de encontrar-se dois rebanhos de homens que, estrepitosamente, se entrechocam, enchendo o ar de fumo. Em ouvindo esse estrondo, vendo esse fogo, e os coriscos a ziguezaguear na planície, voai para ali, com mais célere impulso d’asas; porque, então, os homens uns aos outros se estarão destroçando. Achareis a terra fumegar de sangue, e recoberta de cadáveres, dos quais muitos palpitantes e talhados, como que por encomenda, para isso dos abutres.”

                                                                                  Guerra Sociale (SP), ano III, n° 39 (10 fev. 1917).

Livro: Contos Anarquistas
Autor: Antonio Arnoni Prado / Francisco Foot Hardman
Editora: brasiliense
Pagina: 85 á 86
Ano:1985

Nenhum comentário:

Postar um comentário