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sexta-feira, 19 de junho de 2015

A CIÊNCIA A SERVIÇO DA DEGENERECENCIA HUMANA (Maria Lacerda de Moura)

     A humanidade, considerada na especie, conserva a mentalidade rotineira, atrasada, impirica, de todos os tempos, de todos os rebanhos. Ainda mais: a civilização sufoca o instinto animal de defesa.
     A evolução é individual, e o conservantismo das massas é assegurado pela influencia ancestral fossilizada no subconsciente coletivo e pela educação, domesticadora até o servilismo.
     Mas, si o rebanho humano é sempre o mesmo, faminto de pão e divertimentos, guerras ou circo, politica ou cinema, sedentos de prazeres brutais e gargalhadas sensuais, essa vaga imensa ondulando ao sabor de um Alexandre, um Amilcar Barca, um Anibal, um Xerxes, um Cesar, Napoleão, Mussoline, Papa, Dempsey, Tunney, um Chico Boia, um Rodolfo Valentino, – em compensação a ciência progrediu tanto que deu origem a fantástico desequilíbrio na vida social, posta imediatamente a serviço das perversidades inomináveis, de toda a imbecilidade humana.
     Descobertas, investigação, os métodos científicos atestam o esforço da elites intelectual. Por outo lado, cientistas se vendem cinicamente ao poder, ao capital, á vaidade das exibições.
     E o capitalismo industrializado se apoderá de todo essa afan científico, mesmo ainda em embrião, de maneira que canaliza as energias humanas em uma direção única — a luta de competições, a concorrência econômica,  o assalto às posições já ocupadas, o nacionalismo e, consequentemente, as guerras.
     Todo o gênero humano vive para a cumplicidade brutal da prostituição sob todos os aspectos, pois que a organização social capitalista não passa de um bordel em que se compram e vendem todos os sentimentos e as mais nobres aspirações, o Amor e a Consciência, as mais altas manifestações da Vida humana.
     E toda a humanidade, em tempo de paz como em tempo de guerra, vive, luta pela cumplicidade que leva os humanos a se estraçalharem ferozmente nos campos de batalha.
     E, enquanto nas Igrejas se prega o "Amai-vos uns aos ao outros", e se lembra o "Não matarás", sacerdotes patriotas abençoam aviões, couraçados e bandeiras, na França contra a Alemanha, na Alemanha contra a frança, na Italia, na Belgica ou na Austria, em nome do mesmo Jeová terrível, em nome do Deus sanguinário de todos os exércitos, das pátrias exclusivistas e do chauvinismo cristão.
     Dá-se ainda um fenômeno digno de nota: os próprios cientistas não se subtraem á influencia das massas. Enquanto nos seus gabinetes, em meio de retortas e maquinas, experimentam, pesquisam, atordoam-se na inquietação absorvente de resolver problemas ou aproximar-se de determinada verdade, são admiráveis, superiores, grandes na sua perseverança; logo que atingem a uma pequena realização e veem para o cenário social aplicar o resultado de suas experimentações, caem no nível das massas, descem á domesticada, servil e perversa das Pátrias e dos partidos.
     Acorda-se o nacionalista, o religioso a serviço da superstição e da ignorância, o cidadão a serviço dos governos e das bandeiras, contra outros governos, outros cidadãos e outras bandeiras.
     E toda a sua ciência se prostra aos pés do capital e sua industria.
     O esforço superior do homem livre é deturpado, é prostituído.
     Todas as descobertas, sem exceção alguma, todas as pesquisas da ciência são açambarcadas pelos interesses industriais e para as conquistas da guerra, consequentemente.
     A aviação é instrumento nacionalista e as façanhas aviatórias, ainda que um Amundsen, um Charcot, um Nansen delas se sirvam para descobrimentos científicos, são manejos da embriagues patriótica ou da maroteira politica - para açular os "cidadãos" á defesa sagrada da pátria gloriosa... E até as palavras tem o seu prestigio no despertar das emoções ou das paixões capazes de acordar o sentimento do dever nacional.
     mas, quem move os cordéis da diplomacia e do Estado são os banqueiros, os famosos industrias de aviões, submarinos, couraçados, torpedos e metralhadoras - todos os canibais que se nutrem dos campos de batalha.
     E o rebanho humano continua a defender e a respeitar, patriótica e religiosamente, a todos os interesses legislativos e nacionalistas, a toda autoridade constituída para afiar o cutelo que ha de cortar, piedosamente, o pescoço e abrir o ventre dos que vão, entoando hinos, alimentar a boca escancarada dos canhões, das maquinas de guerra que recebem e trituram a carne humana e a transformam em moeda corrente com que os grandes industriais e os políticos, seus cúmplices, compram o poder, a gloria e as cortezas.
     Até mesmo a bondade imensa de Mme. Curie está trabalhando para a destruição do gênero humano.
     Santos Dumont o sente, profundamente arrependido de haver contribuído para a carnificina gloriosa dos milhões de vitimas da ferocidade civilizadora iniciada em 1914.
     O cinematografo cultiva a imbecilidade, o preconceito da força bruta, o prejuízo patriota, a superstição religiosa, a moral farisaica da sociedade filistéa, o mundanismo parasita, todas as tolices seculares e todos os crimes de lesa-felicidade humana.
     Rara película de tese social elevada. tão rara que a assistência, no seu conjunto, a repudia...
     Descoberta feliz, sonhada talvez pela escola moderna, para o cultivo da inteligência, caiu imediatamente nas malhas do industrialismo absorvente e foi colocada ao sabor e ao alcance das massas, em vez de servir para elevar a mentalidade humana ao nível do ideal cientifico puro e das aspirações de renovação social pela educação.
     Mas, ha tanta impudência e tanta cupidez na civilização de industria que um film como o livro de Remarque consegue atravessar as malhas da reação burguesa.
     Dá que pensar: a civilização do dollar será engolida por si mesma, morrerá de apoplexia.
     O que se verifica com o cinematógrafo a serviço da imbecilidade e da ignorância sentimentalista, dá-se também com o rádio.
     Já a radiotelefonia é instrumento da polícia, e uma agência de anúncios de todas as drogas literária acadêmica, a droga historico-patriotica, a droga das caravanas políticas e a droga dos encontros de pugilato e dos concursos comercias de beleza.
     Santos Dumont, Edison, Marconi, Mne. Curie – instrumentos de progresso material para  a conquista do poder, do dinheiro, para a conquista do poder, do dinheiro, para o alargamento dos fronteiras nacionais contra outros capitais, outras bandeiras e outros nacionalismos.
     Marconi já vendeu a própria consciência: fascista, marquês, senador, presidente nomeado da Academia de Letras italiana...
     Cada descoberta científica é nova fonte de conflitos internacionais, tudo correndo para liquidar mais depressa o gênero humano.
     Neste momento, todos os grandes laboratórios químicos estão ocupados no fabrico de gazes sempre a cada vez mais tóxicos, para a próxima guerra.
     Sabe-se mesmo que será também aproveitado o trabalho dos cientistas ocupados hoje em cultivar e exasperar a virulência dos micróbios das mais terríveis moléstias.
     Até mesmo o mundo proletariado, embora o protesto contra a civilização burguesa-capitalista, cava a degenerecia da espécie e coopera para essa luta dantesta, ora imprimindo as imbecilidades escritas pela burguesia acadêmica, patriótica e mundana, ora fabricando munições e armas de guerra, mesmo porque todas as conquistas do progresso material constituem armas de guerra para o sustentáculo do domínio de uns e do servilismo e domesticidade da maioria.
     Seria bem preferível que o operário amputasse ambas as mãos si se resolve a trabalhar em arsenaes de guerra, de hidroplanos e metralhadoras, couraçados e torpedos. Deveria ter vergonha de si mesmo ao reivindicar os seus direitos de liberdade, após 8 horas de trabalho em estaleiros de navios de guerra ou em um arsenal de idiotices perversas ou de brigas de comadres, como por exemplo, as redações de imprensas oficiais.
     De qualquer modo, dentro da civilização, todos nós concorremos para o canibalismo patriótico das trincheiras e das pilhagens militares.
     Entretanto, o trabalho intelectual não exclui o trabalho manual e vise-versa; pelo contrário, a harmonia de todo a ser vem da energia física em ação e do prazer de pensar e agir e criar mentalmente.
     O único homem que não contribui diretamente para a guerra, para a destruição, para a fome, para a peste, para a miséria física e moral e o pequeno agricultor.
     Não o capataz que dirige, governa e explora, de rebenque em punho, que humilha o semelhante, enriquecendo a custa do suor alheio, mas, o humilde lavrador que cava a terra e semeia a nutrição, a vida , a força, a alegria da fartura e da fecundidade sadia, porem, que não exige o intermediário para as suas transações comerciais.
     A volta ao trabalho rude da terra será, portanto, a consciência tranquila, para além de toda cumplicidade com a organização social, baseada na exploração do homem pelo homem?
     Nem sempre. Parece-se que ainda não.
     E' justamente na produção da terra e mesmo na propriedade da terra em si, que se alicerça todo o formidável edifício da exploração social.
     Si ninguém plantasse senão o estritamente necessário para si e para os seus filhos menores, para os velhos e para as mães e as crianças e os inválidos da sua família, ao menos tempo praticando o auxilio mutuo, - não se formariam "trusts" de café, de açúcar, de algodão, de arroz, de trigo, de mate, de todos os gêneros de primeira necessidade, para fortuna dos reis da agricultura industrializada - que não plantam e se enriquecem á custa do suor dos que plantam.
     Daí a concorrência aberta para as lutas comerciais de competição, origem das guerras modernas.
     E' o excesso da produção, sob todos os aspectos, na lavoura como nas industrias, causa de todos os conflitos na sociedade atual. O nosso mal não vem da falta e sim do excesso de produção. A miséria do mundo moderno ainda vem da fartura e do excesso de riqueza e de progresso material. Da má distribuição dos gêneros alimentícios. Por ora, a terra daria bem para a sua população.
     E o operário verdadeiramente consciente, operário manual ou cientista manipulando o pensamento no fundo das retortas ou nos cálculos e problemas, á procura das leis naturais, em busca da razão de ser da vida - não fabrica armas para abrir ventre dos seus próprios filhos em holocausto no altar da pátria, esse ídolo sanguinário de fauces escancaradas a absorver as energias de todos os assalariados do trabalho.
     Si houvesse verdadeira compreensão do dever humano, os indivíduos livres, homens e mulheres conscientes, se recusariam a pactual com essa civilização de vampirismo social, voltariam ao trabalho duro da terra, á vida simples e natural, porem cheia de compensações, de liberdade, para deixar sentir a alegria da consciência que não desce á cumplicidade de lutar em favor do esmagamento de toda a humanidade.

Extraído:

Livro: Civilização Trancos de Escravos
Autor: Maria Lacerda de Moura
Editora: Civilização Brasileira
Paginas: 9 á 19
Ano: 1931
     

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